17 DIAS NA BAHIA – ITACARÉ E LAGOA ENCANTADA

Como os caminhos conhecidos
sempre parecem mais curtos, os sete quilômetros de estrada de terra nem fizeram
pó, quando saímos de Torrinhas em direção a Itacaré. Até porque, durante a
noite, caíra uma chuva fraca.
Nosso destino era Itacaré, e eu pretendia almoçar por lá e fazer várias praias ao norte de Ilhéus, bem como a Lagoa Encantada, já no município de Ilhéus. Mas todo o atraso, e os percursos mais demorados do que eu previra, além das estradas em péssimas condições, cheias de curvas, sem acostamento e esburacadas, restringindo a velocidade máxima por questão de segurança,
Minha filha recebeu a indicação de um quiosque, a beira mar, numa das praias de Itacaré: Aloha. O proprietário, o Alex, morou em Indaiatuba e é amigo do amigo de minha filha. O Restaurante fica na praia de Tiririca, e é bem maior e movimentado do que a gente esperava. O proprietário estava lá e nos recebeu muito bem. O dia estava nublado, mesmo assim o movimento era grande. Como as praias de Salvador estão fechadas por causa da pandemia, os soteropolitanos e os demais turistas estão procurando locais próximos para distração. Nós almoçamos já eram mais de 14 horas.
E saímos bem tarde dali, com uma parada na Cacheira de Tijuípe, que não entramos por se tratar de um complexo balneário, com valor de ingresso de R$20,00 por pessoa. Como nosso objetivo era só vislumbrar e fotografar, eu tentei barganhar com o bilheteiro para fazer o preço de quatro por um. Não íamos demorar mais do que meia hora lá dentro. A maior parte das pessoas vem para passar o dia inteiro, ou pelo menos parte dele. Como não chegamos num acordo, não ingressamos.
E fomos para a Lagoa Encantada.
Mal saímos da Rodovia e já começou o terrão. No GPS dizia que em 7 km tinha que virar para a esquerda. E achei que era mais ou menos este o total do percurso. É duro ficar cega e esquecida. O total de estrada ficou em torno de 30 km. E a estrada que estava até bem lisa, foi ficando mais esburacada e tortuosa, E mais erma. Até que, em uma descida toda erodida e cheia de pedras, vimos um carro parado só som o motorista. E quando passamos perto, nos deu a dica para passar pela contramão que estava melhor. Nessa hora eu, descendo, já pensava na subida. E comecei a temer.
Poucos metros depois avistamos um grupo de quatro mulheres subindo a colina a pé, e ao passarmos por elas disseram:
- É, e o homem subiu de carro.
Agora ficou claro o que fazia o motorista pelo qual passamos.
Logo adiante havia um mirante, e a enorme lagoa aparecia lá embaixo, toda linda. E já eram quase 17 horas. Parei ali para tirar uma foto e inquiri as demais passageiras do veículo:
- O que vocês acham de voltarmos daqui?
- Agora que já estamos tão perto - falou uma.
- É, só falta um quilômetro - disse outra.
E quase em uníssono.
- Vamos continuar.

E lá fui eu, com vagar, já que o carro é baixo. Mas tudo corria bem, na grande descida até a lagoa.
Chegando lá foi uma satisfação. Que bom que não desistimos. Que lugar mágico. Minha mãe gostou tanto que disse:
- Neste lugar eu moraria.
O sossego reinante à beira da lagoa atingia todos os seres. Desde vacas que pastavam tranquilamente até cães que passeavam soltos. E as pessoas viviam um clima de eterno domingo.
Logo um garoto se aproximou e soltou o disco na vitrola, falando do lugar e das possibilidades de passeios, com cachoeiras. E se oferecendo para ser nosso guia. Encostei o carro, descemos para admirar aquela maravilhosa paisagem e ele nos acompanhava. Apresentou-se como Cabeção, e fez logo uma observação:
- É porque tenho a cabeça grande, e não porque eu seja burro não.
O garoto nasceu em janeiro de 2007, nem sabe bem o dia. Mas logo mostrou sua esperteza quando minha mãe apontou um bicho dizendo:
- Olha lá um touro.
E ele:
- É boi! Eu sei, nasci aqui e conheço desde que era pequeno.
A sabedoria empírica do Reny. Um doce garoto de 13 anos que nos conduziu até a vendinha para usar o banheiro. E lá fomos atendidas com muita cortesia pela proprietária. E ele ficou conosco até nossa partida, recomendando-nos a volta com mais tempo, e mais gente, para ver melhor as belezas do lugar.

Eu não quis aguardar o por do sol, que já se antevia maravilhoso. Fiquei mesmo assustada com a possibilidade de ficar presa na estrada escura. E ele lançou mais uma recomendação:
- Coloca a primeirinha e sobe.
Vinte minutos antes do sol poente, eu manobrava o carro para fazer o caminho de volta. E como eu, muitos outros que estava por ali. Uns dois ou três veículos 4x4, e até uns carros 1.0.
E na primeira curva da subida, uma fila de carros parados. E tive que parar. E, na hora de sair os pneus patinavam rolando os seixos. Dei ré e tentei de novo. E de novo. Até que minhas companheiras de viagem resolveram descer do carro. E minha filha:
- Coloca a marcha no manual, e engata a primeira como o menino falou.
E assim fiz, deixando-as para trás. Perto do Mirante uns carros pararam. Um dos 1.0 subiu de ré por todo o caminho mais complicado. E o outro motorista deixou o carro, passou por mim e disse:
- Vou buscar o meu véinho.
Os passageiros do carro dele também ficaram a pé. Eu fui bem mais adiante, com tranquilidade. Mas meu coração se retorceu de remorso pensando em fazê-las subir tudo aquilo a pé. Pensei: "Do Mirante para cima eu acredito que consigo subir carregada".
Antes de regressar, o moço do 1.0 que foi buscar o pai a pé, passou por mim e disse em tom de troça:
- Tá vendo, um carro de 200 mil - apontando para o Virtus - e um de 12, referindo-se ao próprio carro - e o carro dele subia sossegado, tanto quanto o que eu estava, e tanto quanto as 4x4 que foram embora sem se preocupar com os demais.
Outro carro passou e me perguntou se tinha travado?
- Não, só estou esperando minha família.
Solidariedade tem mais relação com quem sabe o que é sofrer.
Quando vi que não vinha mais nenhum carro, voltei de ré até o Mirante. E aguardei por pouco tempo a chegada delas, cansadas, mas felizes. Ninguém reclamou. Foi uma aventura e tanto. Daquelas para serem contadas para filhos e netos.

O restante do caminho, fizemos no escuro. Mas a parte mais difícil ficou para trás. Só estranhávamos o caminho porque, de noite, todo gato é pardo. E a estrada de terra pareceu ficar mais longa que na ida. E assim que atingimos o asfalto novamente, sossegamos.
E pouco antes das 20 horas nos chegamos ao Opaba Hotel, em Ilhéus, ao lado do Aeroporto, depois de atravessar uma ponte estaiada com luzes coloridas se alternando para iluminar a coluna principal. E o hotel era uma gracinha. E logo ao lado do Bar Vesúvio Praia.
Depois de nos acomodarmos, descemos as três mais jovens para o jantar. E foi onde comi meus primeiros abarás. E minha prima comeu pastel. E juntas dividimos uma porção de aipim frito (aipim é a mandioca de São Paulo, ou a Macaxeira de outras regiões do país). E minha filha comeu ceviche, que ela estava querendo já há alguns dias. E aqui deu certo. E estava espetacular.